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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Chico, a reserva e o boi

Aos 25 anos, reserva Chico Mendes já perdeu 7% de sua cobertura florestal 


FABIO PONTES

Expansão da pecuária ainda é grande desafio da Resex Chico Mendes
Idealizada por Chico Mendes para ser uma das principais frentes de resistência ante o avanço da pecuária na Amazônia durante as décadas de 1970 e 1980, a reserva extrativista que leva o nome do líder seringueiro, assassinado em dezembro de 1988 pelo filho de um fazendeiro, continua sob forte pressão do gado passados 25 anos desde o decreto de sua criação, e já perdeu 7% da cobertura florestal de seus quase um milhão de hectares.

De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), a a Reserva Extrativista Chico Mendes está a 30 mil hectares de atingir o limite máximo de desmatamento estabelecido há duas décadas em seu plano de manejo.  Dos 97 mil hectares previstos para sofrerem impactos com o desmatamento, 67.900 já não são mais floresta..

E é no entorno de Xapuri (AC), a terra de Chico Mendes, onde a reserva tem sido mais impactada pela atividade pecuária. Além do boi, a ocupação irregular de terra e o desmatamento ilegal colocam em risco a preservação de uma das últimas áreas de floresta na região leste do Acre.

Já em Capixaba, cidade vizinha a Xapuri, o plantio da cana-de-açúcar vem ganhando território graças a uma usina de álcool que tem o governo do Acre como um dos principais investidores.

Ao todo, a reserva tem 970.537 hectares espalhados por sete municípios acrianos (Xapuri, Brasileia, Assis Brasil, Capixaba, Epitaciolândia, Rio Branco e Sena Madureira).

“E a pecuária é a principal responsável por alimentar este desmate”, diz Silvana Souza, chefe da Reserva Extrativista Chico Mendes. O último censo realizado pelo ICMBio na reserva, de 2009, estimava a existência de 21 mil cabeças de bois.

Além da criação própria dos moradores, ainda há o chamado “gado de meia”, que é quando grandes fazendeiros arrendam pastagens dentro da unidade, deixando metade ou uma parte menor das cabeças levadas para a reserva como forma de pagamento aos seringueiros pelo uso do pasto.  

De acordo com Silvana Souza não há um limite máximo para a criação de bois nas propriedades. Segundo ela, a fiscalização do instituto se dá no tamanho da área de cada propriedade; se ocorrer desmatamento para se ampliar a pastagem o morador está sujeito a sofrer algum tipo de punição.    

O ICMbio considera como moradores legais as famílias cadastradas no levantamento de 2009; de lá para cá, quem passou a morar na unidade é classificado como “posseiro”. O instituto estima que há hoje 2.000 famílias morando dentro da unidade.

Boi x Extrativismo 

Dionísio, o Daú, presidente da Cooperfloresta
O lucro rápido e alto do boi é o que leva os moradores a investirem mais na pecuária do que em atividades extrativistas, como a coleta da castanha, o cultivo do açaí ou a extração do látex.

Apesar de investimentos terem sido realizados pelo governo do Acre nos últimos anos para garantir competividade ao extrativismo, este segmento ainda não se tem mostrado atrativo para quem vive dentro da reserva abandonar o boi.

Sebastião Pereira, 56, morador da reserva há 40 anos, tem na extração do látex e na coleta da castanha um complemento para sua criação de gado. Ele afirma ter 25 cabeças em sua propriedade de 700 hectares, divididos entre a pastagem e a floresta intacta. Por ano o lucro com o boi chega a R$ 6 mil; já com o extrativismo a renda é de R$ 2 mil.

“Se não fosse o boi nossa situação estaria bem pior do que já está”, diz Pereira observando os tratores que trabalham na melhoria das condiçõeso da estrada de barro (chamadas na região de ramal) que passa bem em frente sua casa.

O ramal vem sendo recuperado para oferecer condições de tráfego aos caminhões das toras retiradas do primeiro plano de manejo madeireiro da reserva Chico Mendes. Executado pela Cooperativa dos Produtores Florestais Comunitários (Cooperfloresta), o manejo está autorizado a explorar uma área de 917 hectares e retirar quase 13 mil metros cúbicos de madeira.

As duas associações de moradores (Rio Branco e Simitumba) das comunidades onde está autorizada a extração da madeira são as detentoras do manejo.

O manjo madeireiro é uma das apostas dos responsáveis pela reserva para tentar amenizar a pressão da pecuária, o desmatamento ilegal e incentivar as famílias a investirem no extrativismo. “O ICMbio tem muita expectativa [com o manejo[ porque a ideia é que a gente traga quem está ilegal para a atividade legal”, comenta Silvana.

Com a primeira retirada de madeira manejada de sua área este ano, Sebastião Pereira –o mesmo que apontou o boi como sua redenção econômica – obteve R$ 7,5 mil de lucro; R$ 1,5 mil a mais do que com o gado.

Já o agricultor Francisco Maurício Rios, 66, prefere apostar mais no roçado do que na pastagem. Em sua propriedade de 400 hectares divididos com outros dois irmãos ele planta mandioca, banana e milho.

O novo investimento dele são as seringueiras de cultivo. O látex extraído delas será vendido para a fábrica de preservativos mantida pelo governo estadual em Xapuri. Ao lado de sua casa está a esplanada, área onde são colocadas as toras retiradas do manejo comunitário.

“Tirei pouca coisa, não investi muito. É uma atividade nova para nós”, diz Rios. Ele não lembra quantos metros cúbicos extraiu, apenas o seu lucro: R$ 1,4 mil.    

A Cooperfloresta tem toda a sua madeira certificada pelo selo FSC, que assegura a adoção de práticas sustentáveis e de redução dos impactos ambientais no processo de extração da madeira. A certificação garante mais valor na hora de comercializar a produção.

“Nosso maior problema é a concorrência do desmatamento ilegal dentro da própria reserva. Queremos mostrar ao seringueiro que a madeira manejada é bem mais lucrativa e que pode ser uma fonte segura de renda”, diz Dionísio Barbosa de Aquino, o Daú, presidente da cooperativa.


Trator recupera "ramal" por onde passa toras retiradas de manejo
Amigo de Chico Mendes, Daú esteve ao lado do ex-seringueiro nos principais movimentos de resistência à entrada da pecuária na floresta, conhecidos como “empates” –correntes humanas colocadas em frente a máquinas e jagunços contratados pelos fazendeiros para abrirem pastos.

Se no passado ele formou os “empates”, este ano Dáu e sua cooperativa enfrentaram embates em torno da manejo madeireiro na reserva. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri –berço da militância política de Chico Mendes – apresentou ao Ministério Público Federal denúncias relatando danos ambientais no processo de extração da madeira, e o pagamento de valores baixos aos seringueiros pelo metro cúbico da madeira.

A Cooperfloresta nega irregularidades, dizendo que o valor repassado a seus cooperados está acima do praticado pelo mercado comum. Sobre os impactos na floresta, a cooperativa afirma que segue todas as normas de boas práticas do manejo sustentável, e que nenhuma de suas operações é realizada sem a devida comunicação ao ICMbio.



ENTREVISTA 

Primo de Chico Mendes defende pecuária de subsistência e diz que manejo madeireiro tem menos impactos que boi 

Raimundo Mendes, o Raimundão, primo de Chico Mendes
Braço direito de Chico Mendes nos principais movimentos de resistência à entrada da pecuária no Acre entre as décadas de 1970 e 1980m Raimundo Mendes, 71, primo do líder seringueiro, defende a criação de pequena quantidade de boi entre os moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes. Ele afirma ser contra, porém, a transformação dos extrativistas em médios ou grandes criadores de gado.

“Todo seringueiro tem o direito a ter suas cabeças de gado, não para ser um médio ou grande criador. Ele pode ter suas 10, 15 cabeças, e isso está autorizado” afirma ele.

Raimundão, como é chamado por conta de seus mais de 1,80 m, ainda vive do extrativismo no Seringal Floresta, em Xapuri. Além do látex e da castanha, desde o ano passado passou a ser manejador madeireiro comunitário.

Apesar de críticas terem sido realizadas pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri ao manejo madeireiro dentro da reserva –onde militou ao lado de Chico na década de 1980 – ele diz que o manejo, se bem praticado, causa bem menos impactos ambientais que a pecuária.

Raimundão concedeu a seguinte entrevista ao blog em sua passagem por Rio Branco após ter participado, no final de outubro, do Terceiro Chamado da Floresta, organizado em Santarém (PA) pelo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).
 
Como o senhor avalia a importância da Reserva Extrativista Chico Mendes nestes 25 anos? O que ela representou para o movimento seringueiro que lutou pela criação de uma unidade de conservação como esta?  

Raimundão: A nossa reserva foi fruto de uma luta muito grande. Ela tem sido um objeto de sossego para nós, seringueiros. Hoje nós não temos mais a presença do latifundiário. Hoje nós temos a presença do Estado, o que não existia antes. Eu nasci e me criei no seringal e sei bem disso. Nós não tínhamos o Estado levando para dentro da floresta aquilo que era nosso direito, como saúde e escola para nossos filhos. Isso só foi possível a partir de muita luta, tendo como liderança maior o companheiro Chico. A reserva nos trouxe tranquilidade. Os nossos produtos, principalmente na nossa região [Xapuri] tem valor. Nossa borracha tem valor graças à criação da fábrica de preservativo. Antes da fábrica vendíamos a borracha a R$ 0,60, quando muito R$ 1; agora recebemos R$ 8. A castanha saia por R$ 2 ou R$ 3 [a lata], hoje pagam mais de R$ 30. Hoje o Estado constrói ramais quando antes só se chegava ou saia da floresta por varadouros, e a energia elétrica está chegando.

Mas apesar desta valorização dos produtos da floresta citados pelo senhor a pecuária ainda continua sendo a principal fonte de renda para os moradores da reserva. Como o senhor avalia este conflito entre extrativismo e pecuária? 

Alguns seringueiros não percebem o valor e a importância que devemos ter com nossa reservam e se enganam vendendo suas áreas por R$ 30 mil, achando que terão uma vida melhor na cidade. Como os fazendeiros já não têm mais para onde expandir suas pastagens, eles procuram os seringueiros para colocarem seus bois dentro da reserva e muitos acabam aceitando pois parte daquelas cabeças será deles como acordo.

Como o senhor avalia a entrada do manejo madeireiro dentro da unidade como uma nova alternativa econômica para os seringueiros? O senhor acha que o manejo tem condições de se mostrar mais rentável do que o boi? 

O manejo é uma atividade que está se iniciando agora e que precisa de uma séria de adaptações. É algo ainda muito novo para nós. Só começamos a explorar este recurso a partir do ano passado. O manejo é uma atividade que vai ajudar na cesta [de alternativas econômicas] do seringueiro. Já temos a borracha, a castanha, sua pequena criação. Todo seringueiro tem o direito a ter suas cabeças de gado, não para ser um médio ou grande criador. Ele pode ter suas 10, 15 cabeças, e isso está autorizado. O gado para fornecer seu leite e sua carne [para o seringueiro]. O manejo madeireiro não é uma atividade predatória, desde que se faça dentro das regras de sua concepção. Ao tirar uma árvore temos o cuidado de que ela não maltrate aquelas que estão próximas. Já o pasto você derruba toda a área e ainda usa o fogo. Temos muita madeira dentro de nossa reserva, e se soubermos podemos explorar de forma sustentável. O bom seria se a madeira tirada da reserva fosse beneficiada ainda lá dentro, não sair só a tora. E isso estamos trabalhando com nossa cooperativa [Cooperfloresta] para implantar duas serrarias comunitárias que vão gerar mais ganho para o seringueiro, garantindo emprego para nossos filhos. O manejo pode não ser mais rentável que o boi, mais ambientalmente é bem melhor para nossa reserva; o manejo não devasta a floresta, a pecuária devasta.

Como o senhor avalia hoje a luta de Chico Mendes 30 anos atrás em defesa da Amazônia, pela manutenção da floresta em pé, pela criação de áreas protegidas, como a reserva que levou o nome dele? Qual o papel da reserva e de outras unidades de conservação neste atual debate de alterações no clima?  

A luta em defesa da floresta tem muito a ver com estas questões que estamos vendo nas mudanças climáticas. E se isso [a proteção da Amazônia] não acontecer o futuro será muito mais trágico. Nós seringueiros, extrativistas, moradores da Amazônia, precisamos estar unidos para evitar que nossas florestas continuem sendo dizimadas, pois elas sem dúvidas são um componente muito importante para o equilíbrio do planeta. Quando eu era criança, pois nasci e me criei no seringal, nunca pensei ver o que estamos vendo hoje, e não falo só da poluição dos carros, das fábricas, mas da perda de nossas florestas.

A criação das reservas extrativistas era a principal bandeira do Chico Mendes para preservar a Amazônia. O senhor acha que a criação destas unidades no Brasil só aconteceu por conta do assassinato do Chico, ou se ele estivesse vivo essa sua busca teria saído do papel? 

Tinha sim saído do papel. O Chico tinha um carisma, tinha um poder de dialogar, tinha uma boa habilidade política, um poder de mobilização. Não vai nascer outro seringueiro com esta mesma personalidade que tinha aquele caboco. Se não fosse a morte dele, nós o movimento, íamos fazer acontecer [a criação da reserva extrativista].



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