Páginas

domingo, 21 de junho de 2020

Passando a boiada

Filha de Chico Mendes diz que bancada da motosserra aproveita foco na pandemia para passar a boiada no Acre


Políticos acreanos demonstram não se importar com momento de colapso da saúde em meio ao avanço do coronavírus e realizam agendas em Brasília focadas na fragilização da proteção das florestas



Bois pastam em área desmatada da Resex Chico Mendes; proposta de reduzir tamanho da UC é defendida pelos maiores desmatadores (Foto: SOS Amazônia) 




Enquanto o número de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus e de mortes causadas pela Covid-19 não para de subir no Acre, a bancada da motosserra realizou essa semana, em Brasília, o que se poderia chamar de périplo da destruição da Amazônia. Liderados pelo senador bolsonarista Márcio Bittar (MDB), políticos acreanos estiveram nos mais importantes órgãos ambientais da estrutura federal defendendo uma pauta que coloca em risco a preservação da maior floresta tropical do mundo e a sobrevivência de famílias tradicionais que nela moram.

Seguindo o conselho do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de “passar a boiada” nas normas de proteção ambiental do país enquanto a atenção da sociedade está no combate ao coronavírus, os políticos acreanos fizeram pressão para avançar as três pautas que decidiram assumir em nome daquilo que definem como “tirar centenas de famílias da miséria” por morarem dentro de unidades de conservação.  Entre os defensores desta agenda estão o vice-governador do Acre, o Major Rocha (PSDB).

A principal demanda da bancada da motosserra é a redução da área da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes e a transformação do Parque Nacional da Serra do Divisor em uma Área de Proteção Ambiental (APA). Estas duas propostas foram colocadas dentro de um mesmo projeto de lei (PL 6024), apresentado em dezembro do ano passado pela deputada federal Mara Rocha (PSDB), irmã do vice-governador. A  terceira bandeira do grupo é a construção de uma rodovia numa das regiões mais intactas da Amazônia tanto do lado do Brasil quanto do Peru.

Com a quase paralisação das atividades do Congresso Nacional por conta da pandemia, o PL está travado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Sem previsão de votação da matéria, a bancada da motosserra foi pressionar o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), coronel Homero Cerqueira, que nada pode fazer, já que ambas as propostas precisam do aval do plenário da Câmara e do Senado - não havendo outra solução jurídica.

Os parlamentares defendem a urgência de avançar a pauta em benefício de 800 famílias que moram nestas áreas e que, segundo eles, passam por inúmeras dificuldades ao ter suas propriedades dentro de unidades de conservação. O que os políticos não mencionam é que parte destas famílias, na verdade, são médios e grandes criadores de gado que já desmataram boa parte da floresta, foram multados em alguns milhões de reais pelo ICMBio, respondem a processos ou são alvo de inquéritos da Polícia Federal por crimes como invasão de terras públicas ou venda ilegal de lotes dentro da Resex Chico Mendes. 

Ao se analisar o PL 6024 pode se perceber a sua aberração jurídica. Não há uma área contínua para ser retirada da Resex Chico Mendes, mas polígonos espalhados por várias regiões, em especial naquela que concentra o maior desmatamento e a pressão da pecuária. Para especialistas, estes polígonos são a prova de que o projeto apresentado por Mara Rocha beneficia apenas os maiores infratores que tanto desejam se ver livres dos fiscais ambientais.




A Resex Chico Mendes figura hoje entre as cinco unidades de conservação da Amazônia mais impactada pelo desmatamento. O total de área desmatada dentro da UC aumentou 208% em 2019, quando comparado com 2018, que registrou 24,58 km2. de floresta devastada. No ano passado, a destruição foi de 74,48 km2. Este é o pior resultado da série histórica iniciada em 2008 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).  

Este ano a Resex completou 30 anos de existência. Ela foi idealizada pelo líder seringueiro Chico Mendes na década de 1980 para servir de exemplo ao mundo da relação sustentável entre homem e floresta. Em março, um grupo de moradores da unidade comemorou as três décadas de criação protestando contra o PL 6024 ocupando a sede do ICMBio na cidade de Brasíleia. Ao todo a unidade abrange sete municípios: Assis Brasil, Brasileia, Capixaba, Epitaciolândia, Rio Branco, Sena Madureira e Xapuri, somando 970 mil hectares.

As lideranças comunitárias reclamam da falta de diálogo dos parlamentares que lideram a proposta de desafetação com os moradores mais tradicionais. Esta falta de diálogo se dá justamente por as famílias extrativistas serem contra a proposta. Já houve a publicação de vários manifestos assinados por essas lideranças contrárias à redução da Resex Chico Mendes.

Na quinta-feira, 18, o Comitê Chico Mendes publicou nota de repúdio contra a atitude da bancada da motosserra de fazer pressões em Brasília a favor da proposta em meio ao grave momento de crise de saúde pública.

“O cruel em tudo isso é que se faz essa ação em um momento de pandemia, em que todas as atenções estão voltadas para o combate ao coronavírus, às escondidas, seguindo as “orientações” do ministro do Meio Ambiente, que recomendou que se aproveitasse a “desatenção” da mídia para “passar a boiada” da devastação que ele chama de “desregulamentação”, diz a nota assinada por  ngela Mendes, filha de Chico Mendes.

A outra agenda dos políticos acreanos foi com o presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Fortunato Bim, para tratar do processo de licenciamento e estudos de impacto ambiental de uma rodovia entre a cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, e Pucallpa, no Peru. O grupo defende a obra como forma de integração econômica entre essas duas regiões, o que proporcionaria uma “explosão” nos níveis de desenvolvimento na bacia do Juruá.

Essa explosão, porém, seria nos impactos sociais e ambientais numa das regiões mais bem preservadas da Amazônia - de ambos os lados da fronteira - cuja riqueza biológica ainda é desconhecida pelo mundo científico. A região do Juruá apontada como uma das mais ricas em biodiversidade do planeta.

Portanto, a construção de uma rodovia provocaria a destruição de toda essa riqueza natural, além de colocar em risco a segurança de centenas de famílias que moram na região. A principal consequência de abertura de estradas na Amazônia é o aumento do desmatamento provocada pela invasão de terras públicas para a prática da grilagem. Com isso, a possibilidade de ocorrer conflitos fundiários é bastante alta, o que ameaça a vida de centenas de famílias que ali vivem de modo tradicional há décadas. 

Além de destacar os riscos que a proposta representa para a preservação da floresta e a segurança das famílias tradicionais que nela vivem, o Comitê Chico Mendes lembrou que a participação do governo do estado nos encontros compromete todas as políticas oficiais de obtenção de investimentos e empréstimos junto a organismos internacionais, que exigem, como contrapartida, a preservação da floresta. A nota de repúdio chegou a defender que estes governos e instituições suspendam suas ajudas econômicas enquanto estiver em vigor uma política de fomento à destruição da Amazônia.


Outro lado

A reportagem procurou a assessoria de comunicação do governador Gladson Cameli (Progressistas) para saber até que ponto a participação de Major Rocha nos encontros no ICMBio e no Ibama em Brasília representavam a posição oficial do governo do Acre. Até o momento não houve o envio de respostas, havendo a sinalização de uma manifestação na segunda-feira, 22.

Ao se se consultar o portal da transparência do governo é possível constatar que Rocha viajou, sim, como representante do governo do estado. Pela agenda entre os dias 14 a 18 de junho ele recebeu diárias no valor de R$ 5.196,60. De quebra ainda levou um assessor ganhando diárias de R$ 2.136,60.



Nota enviada pela assessoria de comunicação do governo do Acre


O governo do Acre continua seguindo os critérios legais de proteção de suas unidades de conservação e desde o mês de maio está realizando missões integradas para combater crimes ambientais, com ênfase ao desmatamento ilegal, invasões de terras públicas e queimadas ilegais. O resultado preliminar das atividades foi apresentado pelas instituições de fiscalização e o Governo reafirmou o apoio,  com o aval do governador Gladson Cameli, para investigar e punir ilícitos ambientais.

Em todas as florestas e no Parque Estadual Chandless, equipes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) e Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA) da Polícia Militar do Acre (PMAC) estão em campo notificando, multando e conduzindo para a delegacia os infratores.

Mais de 10 instituições compõem o Comitê de Ações Integradas de Meio Ambiente, que desde o início de maio vem coordenando as atividades.
No ato de criação do comitê, dia 30 de abril de 2020, o governador Gladson Cameli deixou claro que quem estiver trabalhando dentro da legalidade terá total apoio do governo, cumprindo o compromisso com o agronegócio de baixas emissões. Mas ele também determinou que o que for ilícito deve ser combatido.

O Governo do Acre é um só, seja o governador Gladson Cameli, o vice-governador Wherles Rocha ou qualquer representante do Estado. O discurso e ações são as mesmas,  de que o Acre segue cumprindo os compromissos com os investidores internacionais, buscando sempre unificar as ações de Meio Ambiente e trabalhar pelo desenvolvimento econômico com sustentabilidade.




Leia + : Bancada da Motosserra do Acre avança sobre unidades de conservação e ICMBio


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário