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sexta-feira, 5 de junho de 2020

Análise (Dia do Meio Ambiente)

Até que ponto os militares terão a capacidade de salvar a Amazônia de Bolsonaro? 



Militares do Exército fazem a escolta de fiscais ambientais durante combate a queimadas no Acre (Foto: Jardy Lopes/2019)




Hoje o mundo celebra seu dia do Meio Ambiente. Desde que Jair Messias Bolsonaro assumiu a cadeira de presidente, o Brasil passou a ser a escória planetária quanto à proteção de suas riquezas naturais. Dono de maior parte da Floresta Amazônica - que abrange outros países da América do Sul - o Brasil vê o governo Bolsonaro não medir esforços para executar uma política de fragilização (e até mesmo de destruição) da estrutura de Estado que deveria proteger este gigante verde. Não é novidade para nenhum cidadão do planeta Terra que Bolsonaro não tem a mínima afeição pela questão ambiental. 

Para o presidente e seu ministro (da destruição) do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o melhor é botar todas as árvores ao chão, substituindo-as por boi e soja. Em seu primeiro ano na Presidência, Bolsonaro não se importava muito com as críticas internacionais de que nada fazia em meio à destruição da Amazônia, cujas áreas de vegetação viravam - literalmente - fumaça.

Ao invés de tomar alguma medida, batia boca com líderes de outras nações e culpava os ambientalistas pelo caos. O governo só começou a agir quando o agronegócio se viu no risco de não mais ter mercado lá fora para seus grãos e carne. Assim, os ruralistas pressionaram o Planalto para que algo fosse feito antes de um boicote geral. Bolsonaro agiu e mandou as Forças Armadas apagarem o fogo na floresta. Para isso recorreu a uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

A entrada dos militares surtiu efeito, e a quantidade de queimadas começou a diminuir. Isso também se deu ao fato de as chuvas terem voltado a cair após meses de estiagem. Com a floresta recuperando sua umidade, não tinha mais como fazer a fogueira. De outubro para cá as queimadas foram extirpadas pelas chuvas. Enquanto o fogo dava uma trégua, as motosserras roncavam a torto e a direito dentro da selva.

Desde o começo de 2020 os pesquisadores vêm alertando sobre o aumento recorde dos níveis de desmatamento. De janeiro a 21 de maio, segundo o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mais de 1.700 km2 de floresta foram desmatados. Toda essa vegetação derrubada está à espera dos dias mais secos e quentes da região para arder em chamas.

Essa é a análise geral de todos os pesquisadores sobre o atual “verão amazônico”: tão desastroso quanto o de 2019 em termos de queimadas. E como o governo Bolsonaro continua a desmontar a política ambiental brasileira, de fato a situação preocupa. E o temor é agravado pela pandemia do coronavírus que faz todos os governos locais centralizarem esforços e recursos para o combate ao vírus.

O vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, na qual Ricardo Salles defendeu “passar a boiada” nas legislação de meio ambiente enquanto a atenção da mídia estava na pandemia do coronavírus, mostra seu desprezo tanto pela vida humana quanto pela proteção da natureza. Mais um sinal vermelho para o risco de uma Amazônia ardendo em brasa ganhar as manchetes mundiais.  

Para que os ruralistas aliados não se vissem outra vez ameaçados de não mais vender em dólar, Bolsonaro voltou a recorrer às Forças Armadas para amenizar as mazelas de sua política para a Amazônia. Desde 11 de maio está em vigor uma nova GLO que permite o emprego dos militares com poder de “polícia ambiental” na região, combatendo o desmatamento, a invasão de terras públicas por madeireiros e garimpeiros.

Na verdade, desde o começo do ano Bolsonaro transferiu para o seu vice, o general Hamilton Mourão, a responsabilidade de cuidar da região por meio do Conselho Nacional da Amazônia Legal. De uma forma geral, Mourão é o grande comandante e coordenador da operação Verde Brasil fase dois.

Com a destruição da estrutura do Ibama e do ICMBio por Bolsonaro e Salles, o Exército passou a ser a única instituição dentro da Amazônia a ter condições de coibir os delitos ambientais de forma eficaz e, digamos, intimidadora. Afinal de contas, ninguém quer ser surpreendido por soldados chegando dentro de suas propriedades em carros blindados ou desembarcando de helicópteros de guerra.

O Exército possui efetivo e capacidade logística suficientes para se mover a qualquer ponto desta Amazônia continental em questão de horas ou minutos. Eles também estão preparados para qualquer situação de confronto com madeireiros ou garimpeiros que costumam receber os fiscais ambientais a bala; acredito que eles não teriam essa mesma disposição ao se deparar com os militares treinados para a guerra na selva.

Como historicamente os delitos ambientais no Brasil não são punidos pela lei - e com a atual situação agravada por um governo que desautoriza e desmoraliza seus órgãos ambientais -, parece que apenas a força do braço armado do Estado será capaz de garantir alguma sobrevida à floresta nos próximos anos. 

Exemplo disso é a região da Ponta do Abunã, em Rondônia, na divisa com Acre e Amazonas. Por lá, o que vale é a lei do mais forte, ou seja, dos madeireiros. A extração de madeira é a grande atividade econômica da região. Madeira essa muitas das vezes retirada de forma clandestina de áreas de propriedade da União. Como a presença do Estado é nula por ali, há a sensação de que pode se fazer tudo, imunes de alguma punição.

Em 2019, madeireiros estavam num bangue-bangue entre si na disputa por uma área de floresta num antigo seringal em Lábrea (AM). Desde a semana passada os pátios das madeireiras são ocupados pelo Exército que, junto com a Polícia Federal, faz um pente-fino na origem das toras. Talvez pela primeira vez (em tempos recentes) a Ponta do Abunã tenha tido um pouco de percepção do que seja a presença do Estado.      

Portanto, a presença do Exército no combate aos crimes ambientais tem tido efeitos positivos na Amazônia, e é mais do que necessária diante do desmonte dos órgãos civis de fiscalização ambiental pelo governo Jair Bolsonaro.

De janeiro ao começo de junho, o Inpe detectou 5.854 focos de queimada em toda a Amazônia. No mesmo período do ano passado foram 8.849 pontos captados pelos satélites; uma redução de 5,7%. Segundo dados do Ministério da Defesa, já foram apreendidos mais de sete mil metros cúbicos de madeira retirada clandestinamente da floresta e aplicadas multas que somam R$ 20 milhões.

A queda nos focos de incêndio é efeito da presença das tropas? Ainda é prematuro para tal afirmação, avalio. Afinal, apenas na próxima semana teremos um mês de GLO, cujo decreto de validação expira em 10 de junho.

A grande dúvida é saber se a caneta de Bolsonaro vai renová-lo. Tudo dependerá da análise de Hamilton Mourão. Diante de todos os prognósticos apocalípticos que temos, o mais prudente seria prolongar a Verde Brasil até outubro, quando as chuvas retornam.

Em um momento de pandemia como este, combater os incêndios florestais é ainda mais urgente para se evitar o colapso completo já sentido da rede pública de saúde. A fumaça das queimadas desenvolve doenças respiratórias, o que levaria mais pessoas a buscar assistência médica em hospitais abarrotados de pacientes com a Covid-19. O efeito disso, numa região bastante carente de serviços de saúde, seria catastrófico. 

Enquanto o presidente da República dá de ombros e menospreza a proteção da Amazônia, os militares liderados pelo general Mourão vão caminhando para se transformarem nos melhores amigos do meio ambiente - e vilões a partir da perspectiva de quem quer passar a boiada.

Que um dia tudo possa voltar à normalidade, e os órgãos civis recuperem o controle e a moral para combater os crimes ambientais, sem a necessidade da escolta de soldados empunhando fuzis feitos para a guerra. E que, quem sabe um dia, tenhamos uma sociedade com a consciência da importância de protegermos nossas riquezas naturais. Que todos possamos entender que a Amazônia é muito mais importante de pé do que transformada em pasto.

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