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terça-feira, 12 de maio de 2020

Coronavírus e indígenas

Liderança e médica indígena negam surto da Covid-19 em aldeia do Acre 



Profissionais de saúde do Dsei do Alto Juruá realizam atendimento em aldeia dentro da TI Campinas/Katukina (Foto: Divulgação)

@fabiospontes

Distante menos de 50 km da sede urbana de Cruzeiro do Sul - a segunda maior cidade do Acre - a Terra Indígena Campinas/Katukina tem sido motivo de preocupação constante das autoridades de saúde indígena por conta do fluxo constante de seus moradores entre as aldeias e a cidade. O município, segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde, tem 85 casos confirmados da Covid-19; nenhum entre indígenas.

Para o vírus se proliferar pelas zonas rurais do entorno não é difícil, incluindo as terras indígenas. A ligação rodoviária entre cidade e a Campinas/Katukina deixa seus quase 900 moradores ainda mais expostos. Apesar de todas as recomendações das autoridades sanitárias e das lideranças do território, muitos Katukina insistem em ir a Cruzeiro do Sul alegando a necessidade de resolver problemas pessoais.

Até uma barreira sanitária colocada na entrada da TI, e que tinha profissionais de saúde e militares do Exército para coibir a permanência de não-indígenas dentro das aldeias, foi retirada após muitas reclamações deles. A barreira foi colocada próximo a uma comunidade rural, a Santa Luzia.

A preocupação com os Katukina atingiu seu nível máximo durante o fim de semana, quando passou a circular uma mensagem de voz por grupos de WhatsApp de uma das lideranças da Ti relatando um possível surto da Covid-19 dentro das aldeias.

“Infelizmente essa doença chegou até a nossa aldeia, mas como o pajé falou, ela não é o coronavírus que está na cidade, é outro tipo de coronavírus, mas está sendo muito forte aqui dentro da aldeia. 80% das pessoas da Terra Indígena Campinas Katukina estão doentes”, diz a voz do homem que se identifica como Vina Katukina.

Leia também: Localizada às margens de rodovia, território dos Katukina é o mais exposto ao coronavírus no Acre



O indígena afirma ter ficado uma semana em repouso na rede sem “poder receber atendimento médico e tomar remédio”, sendo tratado apenas pela “medicina da floresta”. Ele relata que a doença tem acometido crianças e idosos, além de os Katukina estarem passando por dificuldades como a falta de remédios e alimentos.

Vani Katukina chega a afirmar que dois indígenas Huni Kuin, de Santa Rosa do Purus, morreram por causa da Covid-19. No Acre não há registros de mortes de indígenas pelo novo coronavírus, apenas um caso confirmado.

O blog conseguiu conversar, via mensagem de voz de WhatsApp, com o cacique-geral da TI Campinas/Katukina, Fernando Katukina. Ele negou todas as informações, e disse que não há nenhum registro de contaminação entre seu povo. “Até esse momento não há nenhum registro de óbito nem de resultado positivo. Dizer que os katukina estão passando fome, desassistidos, isso não procede”, afirma.

“Enquanto liderança tenho andado de aldeia em aldeia conversado com o nosso povo sobre os cuidados para se ter neste momento de pandemia.” Segundo o cacique, muitas famílias deixaram de morar nas casas localizadas mais perto da rodovia e estão nas aldeias mata adentro. Fernando Katukina relata que a doença que hoje afeta alguns moradores da TI é uma gripe comum. “Os nossos idosos e idosas estão sadios, só os mais jovens que estão pegando [a gripe].”

Aline Diniz Nawa é médica indígena e trabalha para o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Rio Juruá, que atende a TI Campinas/Katukina. Ela nega a existência de casos confirmados da Covid-19 entre a população Katukina.   “Nós não temos nenhum caso positivado naquela região, não temos nenhum óbito, nada parecido com o que o parente está falando”, diz ela, também em mensagem de voz espalhada como tentativa de acalmar os ânimos entre a população indígena do Juruá.

“O que o parente colocou no áudio dele simplesmente não é verdade. Não existe outra forma de dizer isso. Eu quero que todos fiquem tranquilos, fiquem nas aldeias, mantenham-se o mais distante possível da cidade”, recomenda a médica. Mesmo com todas estas orientações, muitos Katukina insistem em ir com frequência a Cruzeiro do Sul. “Apesar de todo o nosso esforço para evitar que eles saiam, eles acabam saindo.”

Para os profissionais de saúde que atuam dentro da TI, estas indas e vindas dos indígenas entre as aldeias e Cruzeiro do Sul são a principal ameaça para a entrada do coronavírus no território. “A possibilidade do vírus chegar a essas aldeias é muito grande . O que retardr e o que previne de o vírus chegar é o comportamento dos próprios indígenas”, diz Iglê Monte, coordenadora do Dsei Alto Juruá.

Segundo ela, uma equipe formada por médicos e enfermeiros está dentro da TI todos os dias da semana. Monte afirma que os Katukina são os que apresentam maior resistência em seguir as orientações de isolamento social, enquanto outras populações indígenas do Vale do Juruá permanecem isolados em suas aldeias para evitar a contaminação.

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