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sábado, 27 de julho de 2019

Festa (do boi) na floresta

Com Gladson Cameli, Expoacre marca retorno da ‘nova-velha economia’ ao centro do poder no Acre


Após duas décadas sendo organizadas pelos governos do PT, a Cavalgada e a Feira Agropecuária do Acre (Expoacre) passam a ter à frente um governante do Partido Progressistas, mais conservador e alinhado ao setor ruralista do estado. Este início da edição 2019 serviu para recolocar a atividade agropecuária no centro da economia acreana, após duas décadas deixada um pouco que de escanteio pelas gestões petistas.

Herdeiros do espólio político de Chico Mendes e com suas principais lideranças vindas dos movimentos sociais de base, os petistas não poderiam colocar este segmento da economia como o centro de suas atenções. Foi este legado de defesa da floresta que abriu as portas para o financiamento internacional, tendo a manutenção da floresta em pé como principal exigência dos doadores.

Desde a campanha eleitoral de 2018, Gladson Cameli prometia que faria do agronegócio o carro-chefe de sua política de desenvolvimento, deixando a questão ambiental mais de lado, tirando “a faca do pescoço de quem quer produzir” – numa referência às rígidas fiscalizações ambientais dos antecessores. Para ele, apenas os investimentos no campo são capazes de proporcionar crescimento para um estado pobre como o Acre.

A partir do momento que assumiu o governo, Cameli fez peregrinação pelo país em busca de investidores para o agronegócio do Acre. Seu principal destino foi Rondônia, que, para ele, é o grande modelo a ser seguido por aqui, o que ficou conhecido como “rondonização”.  O progressista quer transformar o Acre num dos grandes produtores de soja da região.

Para tanto, garante segurança jurídica a quem deseja investir na economia rural, tirando os órgãos de controle ambiental dos “ombros do produtor” e afrouxando a legislação. Como consequência, o Acre passou a liderar os rankings de desmatamento.

Colocar a agropecuária como centro das políticas de governo não é novidade no Acre. Por muitos anos ela foi a norteadora, tanto que a pecuária é hoje uma das mais importantes atividades da economia local. Ter algumas canecas de boi é sinônimo de riqueza por estas bandas.

O fortalecimento da pecuária no Acre se deu durante o período da ditadura militar (1964-1985). Diante da falência do extrativismo, o governo ditatorial da época incentivava a vinda de grandes produtores rurais do centro-sul do país para a Amazônia, vendendo porções de terra a preço de banana - e às vezes até concedendo.

Com o apoio do governo federal e estadual, a floresta foi sendo derrubada e, em seu lugar, o boi passou a ser o grande ativo econômico do Acre. Tal modelo seguiu no centro do poder até 1999, quando os petistas assumiram o governo e adotaram uma política de desenvolvimento sustentável que assegurasse a exploração das riquezas da floresta sem a necessidade de desmatar.

Conhecido como “florestania”, o modelo enfrentou altos e baixos, sendo colocado de lado  ainda nos últimos oito anos de governos petistas. Essa mudança dentro do próprio ninho se deu sem deixar transparecer que toda a história de resistência dos povos da floresta tinha sido abandonada pelos próprios companheiros.

Com Gladson Cameli, nem mesmo alguma tentativa de manter a imagem de “amigo da floresta” foi cogitada, e o agronegócio voltou a dar as cartas na política local. A Expoacre 2019 será um bom termômetro de como esse novo-velho momento se comportará com um aliado dos ruralistas sentado na cadeira de governador pelos próximos anos.

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