Páginas

domingo, 20 de dezembro de 2020

Resistência Ashaninka

Como o povo Ashaninka chega ao fim de 2020 sem casos da Covid-19 

Dez meses após início de pandemia, os Ashaninka do rio Amônia, no Alto Rio Juruá, estão sem casos confirmados da Covid-19 em suas aldeias; rigoroso isolamento social com o mundo exterior e uso da medicina da floresta explicam o feito; campanha pelas redes sociais arrecadou recursos para ajudar comunidades extrativistas e indígenas do entorno  


Resistência e solidariedade: assim os Ashaninka do Amônia enfrentam a pandemia do coronavírus (Foto: Agência Acre) 

O povo Ashaninka chega ao fim de 2020 sem registro de casos de Covid-19 nas aldeias da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, no Acre. É um feito e tanto diante do fato de que o vírus alcançou comunidades quase isoladas, cujo tempo de viagem pode levar dias. Com o rio em boas condições de navegabilidade, chega-se ao território Ashaninka em uma viagem de até oito horas a partir do município de Marechal Thaumaturgo, no Vale do Juruá. 

Os Ashaninka seguem um criterioso isolamento social. Pessoas das aldeias não podem sair e quem está nas cidades não podem entrar, mesmo que isso paralise uma de suas principais atividades econômicas: o turismo. Rodeados por uma densa floresta que lhes garante fartura de carne de caça e mais o pescado no rio, eles não têm muita necessidade de ir até Marechal Thaumaturgo, município que concentra a maior parte dos Ashaninka do Acre. Com roçados em sistema agroflorestal, obtém farta e diversa produção de frutas e legumes. A macaxeira é a base da dieta alimentar do povo. 

Para ter acesso a mantimentos como o sal, café, óleo, açúcar, uma comitiva de indígenas é encarregada de ir até a cidade fazer as compras. Os pedidos são feitos de forma prévia a um comerciante. Antes de serem embarcadas nas canoas para o retorno ao território Kampa, toda a compra é higienizada com álcool em gel para evitar que o vírus viaje junto. 

Mas foi a preservação da cultura e do modo de vida dos antepassados que têm livrado os Ashaninka de um contágio pelo novo coronavírus. Na tradição Ashenĩka, cada família tem uma casa isolada dentro da floresta, afastada daquelas localizadas às margens dos rios. Caso algum indígena venha a apresentar sintomas suspeitos, o doente fica longe do convívio com os saudáveis, evitando o contágio.

De acordo com a liderança Francisco Piyãko, essa era uma estratégia já seguida pelos antepassados quando das primeiras epidemias que dizimaram dezenas de populações indígenas da América do Sul, durante a invasão européia do continente. Quando não eram mortos por confrontos de investidas militares contra seus territórios, os sobreviventes desenvolviam doenças que seus organismos não estavam adaptados, causando mortandade. As casas isoladas ajudaram a preservar os Ashaninka.

As aldeias Apiwtxa e Igarapé Arara somam 838 pessoas. Na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia está a maior concentração Ashaninka do Acre. Ainda há aldeias pelas bacias dos rios Envira e Tarauacá, mas a maior população está no Peru, de onde vieram aqueles que hoje habitam o lado brasileiro da fronteira. 

“O povo Ashaninka do rio Amônia tem uma organização social consolidada, e que representa muito bem o interesse coletivo do povo. São várias lideranças importantes, homens, lideranças mulheres. A nossa associação é orientada por esse grupo de lideranças, e isso faz com que a base, as famílias, sigam as orientações”, explica Francisco. 

Esse tipo de organização serve de guia para todas as questões que orientam os interesses coletivos do povo Ashaninka. “Quando se fala da proteção do território tem uma estratégia, da segurança alimentar tem outra. Quando fala dos valores, dos rituais, dos conhecimentos, da educação, da saúde”, enumera Francisco.

O mesmo aconteceu diante da pandemia do novo coronavírus. Os protocolos de entrada e saída da terra indígena, quais as agendas seriam mantidas, assim como o que fazer com os projetos e programas em andamento, tudo passou por discussões coletivas. Uma vez acordado, mais que respeito, houve uma grande compreensão da comunidade diante da gravidade da situação.

Esse isolamento social que já dura 10 meses ocorre apenas com o mundo exterior, e não entre os Ashaninka dentro das aldeias. “O isolamento é para fora. Internamente a gente manteve uma vida normal, e começamos a trabalhar para que aumentasse a nossa produção. Construímos uma agenda que pudesse contribuir para, caso a pandemia durasse mais tempo, a gente estivesse seguro aqui, sem a necessidade de estar em contato com o mundo lá fora”, diz Francisco Piyãko.  


Leia a reportagem completa na agência Amazônia Real 


Nenhum comentário:

Postar um comentário