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quinta-feira, 9 de julho de 2020

Legítmo sem legitimidade

Ao tentar legitimar PL da desafetação, deputada reforça apoio dos maiores desmatadores da Resex Chico Mendes



Sem máscaras e sem distância segura, principais beneficiados pela desafetação da Resex Chico Mendes tentam legitimar apoio ao PL por meio de uma associação (Foto: Assessoria)





As declarações da vice-presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Brasileia e Epitaciolândia (Amoprebe), Luíza Carlota, dada em entrevista ao blog em 28 de junho, levaram os integrantes da bancada da motosserra a buscar uma reação. A primeira delas foi tentar desmistificar as falas da liderança comunitária de que os parlamentares defensores do projeto (PL 6024) que desafeta áreas da unidade de conservação não consultaram os moradores antes de propor a matéria.  

Além de não ter realizado audiências dentro da Resex para ouvir os extrativistas, a bancada propôs um PL que beneficia os maiores desmatadores e infratores ambientais que hoje são donos de fazendas de gado dentro da unidade.

“Não posso falar em nome do presidente [da associação], mas posso afirmar que não aconteceu nenhuma consulta aos moradores. Eles [os extrativistas] ficaram sabendo do projeto porque eu fui na reserva e comuniquei. Mas nós, enquanto morador ou como integrante da diretoria, nunca fomos consultados”, disse Carlota ao blog.

As declarações causaram impacto negativo e deslegitimam a proposta de lei, apresentada no final do ano passado pela deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC) na Câmara. Mal redigido e sem apresentar uma área contínua para ser desmembrada, o PL 6024 tem como principal proposta retirar de dentro da reserva diferentes áreas (polígonos) espalhadas pela UC, beneficiando apenas os moradores que já desmataram em mais de 50% suas propriedades e respondem a processos movidos pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio.

Para passar a imagem de certa legitimidade social ao seu projeto, a deputada Mara Rocha distribuiu para a imprensa local release de sua assessoria sobre reunião com moradores da Reserva Chico Mendes na qual eles manifestam, por meio de carta, apoio à matéria legislativa.  O problema é que os participantes da reunião são os mesmos que, em outubro do ano passado, reuniram-se com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para pedir o fim das fiscalizações pelo ICMBio dentro da unidade.

Entre eles está Rodrigo Oliveira Santos, condenado por crime de grilagem de terras públicas. Ele já chegou a ser preso em flagrante por desmatamento e indiciado pela Polícia Federal por ameaças a fiscal do ICMBio. Para passar a imagem de que são lideranças de base representantes das comunidades, eles criaram uma associação: a dos produtores rurais da comunidade Maloca e Comunidades do Rubicon, Porvir, Ramal dos Pereira e da Torre. Essas são, justamente, as colocações mais desmatadas e alvo de processos judiciais, que podem resultar até na expulsão dos donos.  

As associações consideradas como representantes legítimas dos moradores e que possuem assento no conselho deliberativo da Resex, com poder de voto para definir os rumos da reserva, não são favoráveis ao projeto de lei.

São cinco as associações que reúnem os extrativistas dos sete municípios onde fica a área da Resex: a Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Xapuri (Amoprex), a associação de Assis Brasil (Amopreab), a associação de Brasileia e Epitaciolândia (Amoprebe), a associação de Sena Madureira (Amopresema) e a de Capixaba e Rio Branco (Amoprecarb).   Na reunião da deputada Mara Rocha não estava presente nenhuma liderança destas associações.

O que também chamou a atenção foi a foto oficial do encontro: nenhum dos representantes fazia o uso de máscaras nem se manteve a distância de dois metros, como recomendam as autoridades de saúde como forma de evitar a contaminação pelo novo coronavírus. Uma carta de apoio ao projeto foi entregue por estas lideranças não reconhecidas de forma oficial.

Outro problema encontrado: na reportagem da própria deputada é reconhecida uma ilegalidade cometida por seus apoiadores; parte deles chegaram à área após a criação da reserva, comprando lotes de terra. O comércio de áreas de terra dentro de unidades de conservação no país é proibido por lei por se tratarem de propriedade da União; portanto, sua venda é crime.

Diz um trecho da carta: “a parte de terra contemplada no PL é uma pequena área localizada dentro da Resex Chico Mendes, porém, já totalmente devastada há bastante tempo, sendo que em muitos casos, os desmatamentos não foram feitos pelos atuais moradores e sim pelos antigos, que fatiaram e venderam pequenas posses com documento de compra e venda, fato esse, comprobatório de que os atuais moradores são posseiros, e não invasores ou grileiros como afirmam os ambientalistas”.

A venda de pedaços de terra dentro da unidade de conservação se acelerou no último ano, ganhando ainda mais força desde a apresentação do projeto de lei de Mara Rocha, cujo efeito principal é o aumento do desmatamento.

“O impacto já aconteceu. A quantidade de famílias que estão vendendo pedaços da colocação porque ouviram dizer que [a reserva] vai ser cortada você não tem noção.  A quantidade de famílias que estão aumentando suas áreas de pasto pensando que vai virar assentamento também está grande”, disse Luíza Carlota ao blog. 

Nada que a presença das lideranças ilustres e principais beneficiadas com a eventual aprovação do projeto de lei pudesse causar algum tipo de constrangimento à parlamentar, que diz ter ficado alegre com o apoio: “Essa carta demonstra que não estamos querendo destruir o meio-ambiente, o que queremos é resolver um litígio que se arrasta por anos a fio e atender ao interesse daqueles que já produziam em suas terras, antes mesmo da reserva ser criada”.

Ao que se vê, não há como tentar legitimar um projeto de lei cujo objetivo principal é dar aspecto de legalidade ou que ocorreu de forma ilegal. 


 

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