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sexta-feira, 6 de maio de 2016

Operação Belo Monte


Por Lúcio Flávio Pinto 


No dia 3 de abril, começou a funcionar – ainda em fase pré-operacional – a primeira turbina da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Aconteceu pouco mais de cinco anos após o início das obras da usina, projetada para ser a quarta maior do mundo e a maior inteiramente brasileira.

No mesmo dia, o bispo – de origem austríaca – Erwin Kräutler deixou o comando da diocese do Xingu, depois de 50 anos no cargo, por ter atingido a idade limite para o seu exercício, aos 72 anos. Ele foi o mais ativo e destacado opositor do empreendimento.

A coincidência podia ser interpretada como um sinal de que dom Erwin acabou sendo derrotado na sua campanha para impedir a execução do projeto. Exatamente no dia do seu desligamento do bispado, em Altamira, no Pará, a enorme hidrelétrica, a maior obra de infraestrutura (e do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, o principal do governo do PT), se tornava – literalmente – fato concreto?

A situação é mais complexa do que essa rústica interpretação. A fase executiva ds estudos para o barramento do rio Xingu se iniciou mal entrou em funcionamento, em 1984,  a ainda quarta maior hidrelétrica do mundo, a de Tucuruí, no rio Tocantins, a leste do Xingu, em eixo paralelo. Foi uma das últimas grandes obras inauguradas pelo último dos generais, João Figueiredo, que ocuparam a presidência da república durante o regime militar (1964/1985).

Belo Monte devia ter seguido o mesmo caminho. Quatro barragens rio acima iriam reter água para que, no verão, quando a vazão do rio pode diminuir até 30 vezes em relação ao fluxo de água do pique do inverno, a usina pudesse continuar funcionando, graças à água estocada no período das cheias.

Só o reservatório de uma delas, a de Babaquara, com seis mil quilômetros quadrados, seria duas vezes maior do que o de Tucuruí e superaria o de Sobradinho, o maior lago artificial do Brasil (para se ter uma ideia de grandeza, o famoso lago Paranoá, em Brasília, tem menos de 50 km2).

A grita foi enorme, inclusive no exterior, em particular no Banco Mundial, que se negou a financiar novas hidrelétricas na Amazônia e a endossá-las junto à comunidade financeira internacional. Não por acaso, o BNDES, que garante 85% do custo da usina, com crédito subsidiado, se tornou maior do que o Bird, algo inimaginável pouco tempo atrás, graças à benevolente administração do PT no banco estatal de desenvolvimento, personificada no economista Luciano Coutinho, o intocável.

A Eletronorte, que conduzia Belo Monte depois de se manter à frente de Tucuruí, precisou recuar. Para mudar a fisionomia da nova hidrelétrica, cancelou as demais barragens, garantiu que apenas uma seria mantida no Xingu, justamente a de Belo Monte (ex-Kararaô), e apresentou um novo desenho do projeto, inédito e audacioso.

A empresa recorreu ao máximo de criatividade e audácia em matéria de engenharia para manter o propósito de aproveitar a excepcional condição geográfica de um trecho, conhecida por a Volta Grande, em que o rio faz uma grande curva e, em 100 quilômetros, desce 90 metros. É uma declividade natural superior – em 20 metros – aos 70 metros que foram alteados no Tocantins para dar-lhe volume e força constantes para acionar as imensas 23 turbinas da sua casa de força, cada uma delas precisando de 500 mil litros de água por segundo.

O problema é que, para atender a pressão de ambientalistas, antropólogos, ONGs e a comunidade mundial, o reservatório que sobreviveu seria pequeno demais (pouco mais de 10% do tamanho do lago de Tucuruí) para garantir que no verão houvesse água suficiente para mover as 18 turbinas (maiores do que as de Tucuruí) lá embaixo.

Também não podia ser usada a vazão natural do rio, por sua calha, porque a sucessão de curvas e a presença de ilhas no seu leito tiram a velocidade necessária das águas. Com ousada concepção, a solução foi desviar a água retida no vertedouro principal, distante 100 quilômetros da casa de força principal, por canais naturais e artificiais que agora levam a água pelo declive de 90 metros a uma velocidade compatível com o tamanho das unidades de geração.

Não há nada igual nos anais das hidrelétricas no Brasil e no mundo. Os engenheiros tiveram que recorrer a uma concepção de vanguarda para que não houvesse grande inundação a montante (acima) da barragem (submergindo  área muito maior de Altamira), o rio a jusante (abaixo) não tivesse redução artificial de fluxo (a Norte Energia se comprometeu a manter vazão de 700 metros cúbicos de água por segundo no pique da estiagem, volume maior do que a descarga natural do Xingu nesse período), e fazer o desvio, saindo do leito do rio, para a adução de água em volume e velocidade de motorização no nível exigido.

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