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segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Reportagem Especial

 Marco temporal ameaça terra indígena em 

Santa Catarina

 

A Amazônia Real visitou as aldeias dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, no Alto Rio Itajaí, para conhecer de perto o modo de vida e a história de resistência dos povos originários do Sul do Brasil. A Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, uma área de cerca de 15 mil hectares, ainda não foi homologada por causa do julgamento do marco temporal, um mecanismo jurídico discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), e usado pelo governo de Santa Catarina para impedir a demarcação. Eles aguardam o apoio do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para solucionar os conflitos. 

 

(Fotografias de Lucas Amorelli)

 

Florianópolis e José Boiteux (SC)- O tráfego intenso de caminhões transportando madeiras dentro da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ é apenas uma entre as várias pressões a que estão submetidos três diferentes povos do estado de Santa Catarina. Após quase terem sido exterminados ao longo dos últimos cinco séculos por conta do contato com os colonizadores europeus, os Xokleng, os Kaingang e os Guarani hoje são obrigados a dividir uma área inferior a 15 mil hectares – as terras que ocupavam antes da invasão pelos europeus estendia-se pelo o que é hoje o litoral do Sul e Sudeste do Brasil.

O avanço das plantações de eucalipto e pinheiros por madeireiras e moradores não-indígenas no território é outra das pressões sofridas. Em alguns pontos em suas próprias terras, os indígenas têm receio até de transitar. O temor é de conflito com os vizinhos problemáticos. A ousadia dos invasores é tão grande que até uma porteira foi colocada pelos donos das madeireiras, o que impede o livre trânsito dos indígenas entre as aldeias. Capangas armados fazem o controle de quem passa.

Foi este o cenário encontrado pela reportagem da Amazônia Real em maio de 2022 em visita ao território dividido entre Xokleng, Guarani e Kaingang. Localizada no Alto Vale do Itajaí, na região central de Santa Catarina, ele se espalha pelos municípios de José Boiteux, Doutor Pedrinho, Itaiópolis e Vitor Meireles.

E é exatamente o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) desse conflito fundiário envolvendo a TI Ibirama-Laklãnõ que servirá como divisor de águas para os processos de demarcação de territórios indígenas em todo o país: o marco temporal. Para os defensores dessa tese, só podem ser reconhecidas ou reivindicadas como terras indígenas as áreas ocupadas pelos povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal.

A decisão do STF servirá de diretriz a outros processos judiciais referentes a terras indígenas. Caso o julgamento do STF seja desfavorável aos Xokleng, muitas outras TIs reivindicadas depois de 1988 serão prejudicadas. Daí a luta dos indígenas contra a tese do marco temporal, defendida fortemente por grandes grupos econômicos, como fazendeiros, madeireiros, empresas mineradoras, garimpeiros, políticos defensores do agronegócio, entre outros.

Para os indígenas, esse argumento não tem sustentação, pois as populações originárias estavam nessas áreas bem antes da chegada dos europeus ao Brasil, em 1500. Se deixaram algumas dessas regiões foi por causa do brutal processo de expulsão e dos massacres a que foram submetidos desde a chamada “descoberta do Brasil”. Os Xokleng lutam não apenas pelo direito de ter demarcado o último pedaço de chão que sobrou, mas também para ficarem livres das invasões que sofrem até hoje. Eles são o exemplo dessa batalha histórica.

No STF, a tese do marco temporal surgiu, pela primeira vez, no voto do ministro Carlos Ayres Britto, atualmente aposentado, quando foi questionada pelo governo de Roraima a homologação da TI Raposa Serra do Sol, em 2005.  O julgamento no STF só foi finalizado em março de 2009, com a maioria dos ministros votando a favor da demarcação contínua da terra indígena. Mas os ministros estabeleceram condicionantes, gerando brechas para questionamentos nas homologações, como é o caso do território dos Xokleng, Guarani e Kaingang.  


Leia reportagem especial completa e assista ao minidoc na Amazônia Real

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