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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Invasões sem fronteiras

Rodovia no Peru ameaça territórios indígenas no Acre 

 

TI Kampa do Rio Amônia: após ser invadida por madeireiras numa passado nem tão distante, Ashaninka temem novos impactos (Foto: Secom/AC)

 

Ao menos 30 terras indígenas no Brasil e no Peru, localizadas nas bacias dos rios Juruá, Ucayali e Tamaya, estão ameaçadas pela retomada das obras de recuperação da rodovia UC-105 situada no lado peruano. Indígenas do estado do Acre alertam que a região ficará cercada por diversas frentes que trarão devastação ambiental e social. Além da retirada ilegal de madeira, outras atividades de elevados efeitos sociais e ambientais tendem a ser impulsionadas, como a mineração e a indústria petrolífera. O tráfico internacional de drogas também tende a tirar benefícios da rodovia.  


Preocupados com os impactos que a reabertura da estrada provocará em suas terras nos dois lados da fronteira, os indígenas do povo Ashaninka se reuniram em agosto passado para denunciar o caso por meio do dossiê “A Estrada Ilegal Nueva Italia – Puerto Breu: Uma Grande Ameaça para os Povos Indígenas do Yurúa, Alto Tamaya e Alto Juruá”.

No lado brasileiro, quatro terras indígenas e uma unidade de conservação estão ameaçadas pelos impactos da rodovia: TI Ashaninka do Rio Amônia, TI Arara do Rio Amônia, TI Kaxinawa/ Ashaninka do Rio Breu e TI Jaminawa Arara do Rio Bagé e Reserva Extrativista do Alto Juruá.

A rodovia foi construída no final da década de 1980 por uma empresa petrolífera norte-americana, mas foi utilizada ao longo dos anos 1990 pelas madeireiras para o transporte das toras, pressionando o lado brasileiro até os anos 2000.

A liderança Francisco Piyãko foi uma das vozes a denunciar a invasão do território Ashaninka pelas madeireiras peruanas já naquela época. Com 87 mil hectares, a Terra Indígena (TI) Kampa do Rio Amônia está no município de Marechal Thaumaturgo, no Acre, no limite fronteiriço entre Brasil e Peru. Para Francisco Piyãko, os impactos sociais e ambientais com o retorno da extração de madeira – a partir da recuperação da UC-105 – tendem a ser bem mais graves e preocupantes do que os ocorridos no passado.

Além da retirada ilegal de madeira, outras atividades de elevados efeitos sociais e ambientais tendem a ser impulsionadas, como a mineração e a indústria petrolífera. O tráfico internacional de drogas também tende a tirar benefícios da rodovia.  

“Estamos passando por um momento muito preocupante. Diante de todos os conflitos que a gente já teve aqui nesta fronteira, este é o pior. Nós vivemos em 2005, mais ou menos, uma situação muito tensa de invasão de madeireira em nosso território. Mas foi só por um período”, diz a liderança do povo Ashaninka, em entrevista à Amazônia Real. “Vão estar trazendo para a região um conflito eterno”.

Com a reconexão rodoviária entre Nueva Italia e Puerto Breu, no departamento peruano de Ucayali, a pouco mais de 10 km de distância da faixa de fronteira, e, consequentemente, da TI Kampa do Rio Amônia, a liderança avalia que a estrada é uma ameaça não apenas para seus parentes no Peru, como também para os Ashaninka e outros povos do lado brasileiro. “Acabou a nossa paz.  Não vai ser uma luta para tirar os madeireiros da região. Eles vão estar assentados ao longo da estrada.”

A proposta, conforme Francisco Piyãko, é que essas famílias [de madeireiros] ganhem lotes de terra para que cultivem coca para os laboratórios dos cartéis do tráfico. O relatório aponta, a partir de imagens de satélite, o aumento na área de cultivo da coca, bem como a abertura de pistas de pouso, de onde a cocaína peruana é exportada para o mundo.

A UC-105 é uma rota do tráfico internacional de drogas. É nessa porção da floresta peruana que se concentra parte do cultivo da folha de coca e os laboratórios para o refinamento da cocaína. Do lado brasileiro, a facção criminosa Comando Vermelho domina toda a logística da compra e distribuição da droga. Os rios e igarapés servem como rota para o entorpecente chegar até as cidades acreanas e outros mercados no país.

“Depois desta estrada feita eles vão assentar as famílias e tomar conta da região. É do lado do Peru, mas o impacto é muito direto para nossa comunidade, vai tirar nossa tranquilidade, a nossa paz. Nós vamos ficar numa situação muito difícil”, afirma o líder indígena. Uma de suas preocupações é com a degradação pela qual o rio Amônia passará com a intensificação da atividade madeireira e do garimpo. É do Amônia onde os Ashaninka retiram água para consumo e a pesca.

Durante as décadas de 1980 e 1990, quando a extração de madeira esteve em seu auge dentro do território, os Ashaninka também tiveram impactos sociais e culturais. Por conta da presença dos trabalhadores brancos das empresas, os Ashaninka por muito pouco não perderam seu modo de vida tradicional – deixando de lado a língua e as vestes – além de problemas com o alcoolismo.  

“Nossos rios estão ameaçados de ser contaminados. E não é só a comunidade Ashaninka que vai estar prejudicada. São todos os que moram no Juruá, indígenas ou não indígenas”, ressalta Francisco Piyãko.

Segundo a denúncia dos Ashaninka, a recuperação da UC-105 atravessaria uma extensão de 107 km dentro de terras indígenas, que no país vizinho são chamadas de comunidades nativas. A preocupação se dá com a expansão dos impactos nas duas margens da rodovia.  

Presidente da Organización Regional de Aidesep Ucayali (Orau), entidade que representa 15 diferentes povos indígenas dentro do departamento peruano, Jiribati Ashaninka Diques afirma que a ausência de estudos de impactos sociais e ambientais na reabertura da UC-105 – além da falta de consulta prévia – acabam por agravar ainda mais a situação para as comunidades do entorno.  


Leia a reportagem completa na Amazônia Real e veja mais depoimentos de lideranças do Peru

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